Foto : Revista Placar
O futebol espanhol vive dias de tensão. O Consejo Superior de Deportes (CSD), órgão ligado ao governo do país, estuda a possibilidade de barrar a participação da seleção nacional na Copa do Mundo de 2026, em protesto contra a participação de Israel no torneio. A medida, inédita em competições da Fifa, abre uma série de questionamentos jurídicos e desportivos.
Especialistas avaliam caso
O advogado Luiz Marcondes diz que a bola de futebol deve ser vista como um instrumento de congraçamento dos povos e não como um instrumento geopolítico. Ele conta que o caso é mais uma disputa entre Lex Sportiva e Lex Publica.
“Por isso a Fifa, associação civil suíça que detém os direitos sobre o sistema federativo-associativo do futebol mundial, veda a interferência do poder público nas associações nacionais vinculadas ao seu sistema. A Lex Sportiva, portanto, tem base privada. Ocorre que essas associações nacionais, naturalmente, também precisam respeitar a Lex Publica dos seus respectivos países. E no caso da Espanha, a Lex Publica aponta a competência e poder de veto de participação de seleções nacionais em competições internacionais ao CSD. Trata-se de mais um ‘jogo’ do duelo Lex Sportiva x Lex Publica e esperamos que vença… o futebol!”, explica.
Andrei Kampff, advogado especializado em direito desportivo, reforça que o caso espanhol é um alerta.
“A proteção de direitos humanos no esporte não pode depender apenas da vontade de governos nacionais. Precisa ser parte das normas, dos estatutos e dos tribunais esportivos. Caso contrário, cada crise internacional se transformará em um campo de disputa entre o que o Estado exige e o que o esporte insiste em ignorar”, analisa.
O caminho jurídico
A base legal está na própria Ley del Deporte, que em seu artigo 48 atribui ao CSD a competência de autorizar – ou não – a participação de seleções nacionais em competições internacionais, desde que com parecer favorável do Ministério das Relações Exteriores. Um Real Decreto de 1982 reforça a exigência de autorização para confrontos internacionais de clubes e seleções fora do território espanhol.
Na prática, portanto, o governo teria mecanismos formais para impedir a viagem da seleção. A decisão, no entanto, não seria apenas administrativa: esbarraria no delicado equilíbrio entre política externa e autonomia do esporte.
Os riscos para a Federação Espanhola
Do ponto de vista da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), o impacto seria gigantesco. A Fifa veda expressamente interferência governamental nas federações. Impedir a seleção de disputar um Mundial pode ser enquadrado como ingerência política, gerando sanções que vão da suspensão a até a exclusão de futuras competições internacionais.
Além disso, existem riscos contratuais. Patrocinadores, emissoras e fornecedores firmaram acordos prevendo a participação da seleção em grandes torneios. O não cumprimento poderia resultar em ações de indenização milionárias contra a RFEF – que não teria culpa direta, mas sofreria as consequências.
O esporte como palco de política externa
Não seria a primeira vez que seleções são usadas como instrumento de pressão diplomática. A história registra boicotes olímpicos e exclusões por motivos políticos. Mas no caso da Copa do Mundo, onde a Fifa defende a neutralidade e a não discriminação, a reação tende a ser dura.
Mais do que um gesto político, a decisão poderia mergulhar o futebol espanhol em um isolamento esportivo e financeiro, com repercussões imprevisíveis também sobre os clubes.
O que vem pela frente
O governo espanhol precisará avaliar se o custo político compensa os riscos esportivos e jurídicos. A autonomia do futebol, princípio defendido internacionalmente, pode colidir com interesses de política externa.
Enquanto isso, a Federação vive a incerteza: entre a obediência ao Estado e o dever de proteger seus atletas, patrocinadores e torcedores.
O episódio mostra, mais uma vez, que o esporte nunca é apenas esporte. E que em tempos de tensão geopolítica, a bola também pode virar campo de batalha jurídica.

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